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O presente artigo discute algumas idéias do pensamento de Manoel Bonfim. Em livros como América Latina: males de origem, publicado em 1905 e O Brasil Nação: Realidade da soberania brasileira, publicado em 1931, Manoel Bomfim formulou princípios norteadores para a construção das nações latino-americanas, e por conseguinte, brasileira, sob um modelo progressista, isto é, de uma nação que superasse o atraso e conseguisse a sua soberania nacional. Segundo Bomfim, somente um grande esforço educativo poderia levar esses países à condição de ser, de fato, “senhor dos seus destinos”, só a educação garantiria a soberania nacional. Mas ele mesmo lembrava: acho que estamos diante de uma grande utopia.

Fonte:






Constança Marcondes César


           


         


            O exame de um livro de Luiz Murat, jovem poeta estudado por Romero, serve de exemplo do procedimento metodológico que Sílvio utiliza para estabelecer relações entre literatura e sociedade.
            Romero começa apresentando um amplo painel do século XIX, apontando, como sua nota dominante, a doutrina da evolução nos planos da natureza, da vida biológica, da vida política, dos fenômenos artísticos e sociais.
            Razão dessa efervescência em todos os campos do conhecimento e da vida cultural foi o surto e a afirmação dos estudos históricos.  Por estudos históricos Sílvio entende as criações humanas, abarcando a psicologia, a moral, o estudo das línguas, mitos, religiões, folclore; em suma, “todas as manifestações da vida, todas as pojeções da alma humana...” (Literatura Contemporânea, R.J., Garnier, s/d, p. 16).  Podemos talvez encontrar aqui um prenúncio, em sua obra, da célebre oposição ciências da natureza/ ciências do espírito, proposta por Dilthey.
            Romero está impressionado e pinta com vivas cores o cenário do final do século: o surto das ciências da natureza e o surto das ciências humanas, privilegiando a abordagem histórica, o exame comparado das contribuições das ciências da vida, as ciências morais.  Estas últimas seriam superiores às ciências da natureza.  Romero inverte, assim, a perspectiva dominante da filosofia moderna, que privilegiou as ciências físico-matemáticas, as ciências da natureza, inscrevendo-se decisivamente como precursor da contemporaneidade, onde a abordagem histórica, comparativa, hermenêutica, acha-se em primeiro plano.
            Não se trata, para ele, de reduzir as ciências modernas ao modelo das ciências da natureza; estas, ditas “inferiores” (id., p. 15), é que podem, recorrendo ao método histórico e comparativo, próprio das ciências morais, obter benefícios e “estupendo progresso” (id.). Afirma como idéia diretriz, que compatibiliza as diferentes orientações das ciências, a noção de vir-a-ser “da evolução constante, do desenvolvimento perpétuo” (id.).
            No campo das artes, especialmente no da poesia, essa mutação, essa transformação, é essencialmente evidente.
            Assim, Romero indaga: “qual o estado atual de arte neste final de uma fase centenária da história?  Ainda vive a poesia, que a ciência prometera tantas vezes  matar?  (...) Qual o estado destas questões na Europa e no Brasil?” (p. 16).
            Seu tempo é marcado pelo abalo nas velhas concepções de filosofia; pela ascensão do proletariado, pela profunda alteração da vida social.  Aparentemente, o triunfo da ciência anularia as contribuições da filosofia, da arte, da religião.  A poesia, sob a ótica do positivismo e dos críticos E. Scherer, Lefèvre, estaria inteiramente superada.  Sobreviveria como expressão da vida primitiva da humanidade, como expressão da imaginação, da linguagem carregada de imagens, característica da criança e dos primórdios da humanidade.  A ciência não precisa de poesia; é desenvolvimento  de reflexão, que supera as faculdades do homem primitivo.
            Contra essa visão evolutiva do saber e do homem, na qual ressoa a lei dos três estados, de Comte, é que se levanta Romero.  Concorda que a poesia é uma das manifestações antigas da alma humana, como linguagem e religião também o são.  No entanto, antigüidade e morte não são termos equivalente.  A poesia, uma das expressões mais antigas de nossa humanidade, é também um componente essencial da vida humana: “acabará o último poeta, quando acabar o último homem” (p. 22).
            A rápida sucessão de escolas literárias é uma das características, na perspectiva de Sílvio, da literatura do século XIX.  Assim, o classicismo e o Romantismo, nas suas várias manifestações, foram se sucedendo.  O autor examina essa sucessão de autores e escolas na França, modelo paradigmático de nossa cultura, então.
            No Brasil deu-se algo de análogo ao que se passou na França: a poesia da fase clássica foi sucedida por “cinco ou seis escolas [românticas], até entrar em 1870 em plena decadência...” (p. 23).
            A riquíssima história da poesia dos últimos 20  anos do século XIX é mostrada, por Sílvio, na sua relação com os eventos históricos – guerra do Paraguai, abolição da escravatura – e com os eventos políticos: decadência da monarquia, revolução e república.  Face objetiva da história, tais eventos têm sua contrapartida na face subjetiva, o mundo do pensamento.
            “Na ciência, na filosofia, nas questões sociais é igual o fervor.  Há uma sede imensa de saber, de indagar das correntes novas da inteligência européia” (p. 25).  Assim, a sucessão de escolas: positivismo, darwinismo, monismo, criticismo naturalista, entre outras, repercute entre nós; o pensamento alemão ressoa na filosofia e no direito, na história; a literatura realista francesa e a inglesa são estudadas.  Diz Sílvio: “Em poesia todas as grandes escolas contemporâneas contam representantes no Brasil” (id.): a poesia científica, o parnasianismo, o pessimismo, o diletantismo, o lirismo tradicionalista, dentre outras orientações, são examinados.
            A nova poesia, que emerge desse quadro sócio-histórico, encontra, segundo Romero, em Luiz de Murat uma de suas expressões.
            Essa nova poesia é uma retomada do lirismo, que rompe com as concepções de arte engajada, a serviço do social, da veiculação de princípios morais ou científicos.
            O poeta é homem de seu tempo; na sua arte perpassa a problemática vivida por sua época; seu interesse não são as idéias, mas a emoção e o sentimento.  O poeta, na visão de Romero, diz, no plano da emoção, a problemática de sua época.  Desencadeia, pela obra, o sentimento da beleza, daquilo “que nos agrada (...), que em nós desperta o sentimento da admiração”.
            Assim, a poesia não é meio para  educação do homem (utilitarismo), não é serva da ciência (cientificismo), não está a serviço de ideais morais: “... a nova lírica nacional não pretende ser doutrinária, nem moralizante” (p. 34), não é expressão da melancolia, da morbidez, da tristeza (pp. 34-35).
            Pode ser pessimista, uma vez que expõe “o fim de um mundo, não um mundo político (...), mas um mundo do pensamento, que se modificou radicalmente”.
            “A revolução nas idéias, em marcha ascendente nos últimos tempos, acabou por alterar a emocionalidade...” (p.  36).
            Na poesia de Luiz Murat, o lirismo expõe a superação da melancolia romântica, mostra “o fervor pelas novas idéias, pelo progresso (...), pela história da emancipação humana...” (p. 44); e faz ouvir um brasileirismo, que é elogio do país, tomada de consciência de si por parte de um povo, entusiasmo e força, celebração do mundo.
            A abordagem de Sílvio Romero caracteriza-se por essa metodologia: primeiro, apresenta um painel do século, caracterizando o grande contexto histórico, as notas dominantes da vida cultural mundial em que a literatura floresce; em seguida, elenca os eventos marcantes no país e sua ressonância nas obras literárias; finalmente examina um caso concreto, exemplar, no qual a história, o acontecer, são expostos através da ótica de um sujeito criador.  O individual e o social, a vida da cultura, aparecem entretecidos e espelhados, desse modo, na obra de arte, na literatura.
            Em resumo, podemos dizer que, para Romero, a relação literatura – sociedade se explica pondo em evidência os grandes movimentos filosóficos, a luta entre as antigas idéias e a emergência do novo.  No século XIX, esse embate é mostrado como luta entre duas concepções de filosofia, duas concepções de arte: uma, ligada ao surto cientificista da modernidade, privilegiando as ciências físico-matemáticas, outra, prenunciando as grandes tendências do século XX, valorizando a vida, afirmando a prioridade das ciências históricas, das ciências humanas.
            Na literatura do século XIX perpassaria esse embate, especialmente na luta entre concepções de poesia.  Para alguns autores, impregnados de cientificismo, a poesia seria expressão do imaginativo e do sentimento, não tendo mais lugar num mundo civilizado pela ciência, pela razão; para Romero, atento ao novo sopro de idéias, que a França, a Inglaterra e Alemanha lançavam, a poesia sempre terá lugar como componente essencial de vida humana, expondo, pela imagem, a pertinência do homem ao mundo da cultura e traduzindo em novo lirismo dimensões essenciais do ser.

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